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Imagem de capa da exposição

Lélia em nós: festas populares e amefricanidade

São Paulo

Sesc Vila Mariana

26/06/2024 - 09/02/2025

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Mapa tátil

A exposição

A Exposição O SESC Vila Mariana deseja boas-vindas à exposição "Lélia em nós: festas populares e amefricanidade". Lélia Gonzalez nasceu em Belo Horizonte, em 1935, e foi a penúltima filha de uma grande família formada por treze filhos, com poucos recursos econômicos. Como nos contam as curadoras desta exposição, Glaucea Helena de Britto e Raquel Barreto, Lélia foi uma referência crucial para a luta antirracista no Brasil, que se destacou por sua contribuição conceitual, sendo uma das precursoras teóricas do pensamento feminista negro brasileiro. Foi a primeira mulher negra a sair do país para denunciar o racismo e o sexismo, na década de 1970. Lélia Gonzalez foi fundadora e atuante em organizações como o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), o Coletivo de Mulheres Negras N'Zinga, e o Movimento Negro Unificado (MNU), o primeiro esforço de criação de uma organização nacional de luta negra antirracista no país, cuja direção nacional ela integrou de 1978, ano de sua fundação, a 1982. Em todas estas iniciativas, construiu uma agenda política na qual as lutas antirracistas, antissexistas e populares convergiam. Teve um percurso profissional singular para uma mulher negra no período, lecionando em vários colégios e instituições de ensino superior. No final da década de 1970, tornou-se professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde trabalhou até o fim da vida. Entre seus temas de docência estavam a filosofia, antropologia, psicanálise, cultura popular brasileira e proxemia, sendo autora de um pensamento propositivo conjugado a uma práxis comprometida com a igualdade, a emancipação, a democracia e o bem-viver. Estabeleceu conceitos inovadores para analisar as relações de raça e gênero como a amefricanidade, o pretuguês e maiorias silenciadas. Lélia faleceu em 1994, e essa exposição é uma celebração de seu legado e de sua atualidade. Começamos a nos relacionar com a exposição logo na entrada do SESC. Nas treliças localizadas ao alto, na parte externa, há seis grandes fotos em preto e branco feitas pela artista Lita Cerqueira. Ela nasceu em Salvador e desde a década de 1970 dedica-se à fotografia. São de sua autoria alguns dos famosos registros de caráter intimista de grandes nomes da MPB, especialmente de artistas baianos. Notabilizou-se ao colocar em evidência a beleza da comunidade negra, sobretudo das mulheres. A fotógrafa deu especial atenção às festas populares da Bahia e, de fato, sua primeira exposição, realizada em 1976, foi intitulada Festas populares da Bahia e arquitetura. Cabe destacar outra prática que a tornou conhecida: a elaboração de cartões-postais de paisagens brasileiras. Na treliça, o conjunto de seis imagens registram os festejos dedicados à Nossa Senhora dos Navegantes, ao Nosso Senhor do Bonfim e às Águas de Oxalá, na perspectiva de mulheres e meninas do axé. A primeira fotografia, da esquerda para a direita, mostra um grande número de embarcações ao fundo, no mar, e muitas pessoas agrupadas na areia, reunidas na Procissão dos Navegantes, que é também o título da fotografia. Na segunda fotografia denominada Baiana no cortejo de Nossa Senhora do Bonfim, uma mulher jovem segura um vaso de flores altas sobre o turbante na cabeça. A terceira fotografia, Procissão Santo Amaro, traz um grupo que reúne meninas de diferentes idades e mulheres adultas. Elas usam roupas brancas de renda, colares de contas no pescoço e a maioria tem turbantes e lenços na cabeça. Levam flores nas mãos. Na quarta fotografia, Menina nas águas de Oxalá, a menina retratada é vista de lado, concentrada olhando para a frente, com a boca aberta, parecendo cantar. A menina carrega em seu braço direito um vaso branco com flores. A quinta fotografia, Baianas de costas, mostra três mulheres em trajes de saias longas e rodadas, levando jarros com flores sobre os turbantes na cabeça. A sexta e última fotografia, também denominada Procissão dos Navegantes, retrata em outro ângulo o grande número de pessoas na areia da praia com as embarcações ao fundo. Sobre Lita Cerqueira, o cantor e compositor Gilberto Gil declarou: “As fotos de Lita Cerqueira são bem a resultante da sensibilidade de um olhar trabalhado na ânsia e na argúcia de um povo oprimido, mas altivo e paciente; ao lado da dimensão mágica dessa civilização em processo, a quarta dimensão na vida das nações inspiradas como o Brasil”. Adentrando o espaço do SESC Vila Mariana chegamos à exposição. As paredes dos painéis externos são formadas por delicadas rendas. Na parte interna os painéis são na maioria brancos e alguns em um tom forte e festivo de laranja. A exposição é dividida em cinco núcleos e reúne objetos e obras, tanto de Lélia quanto de artistas contemporâneos que discutem seu legado.

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Lélia em nós: festas populares e amefricanidade

"Lélia em nós: festas populares e amefricanidade", por Glaucea Helena de Britto e Raquel Barreto Aqui, mais do que em outro lugar, a noção de “deus em nós”, confere plenitude ao significado da festa. Lélia de Almeida Gonzalez (1935-1994) foi uma intelectual e liderança do movimento negro brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, celebrada por sua produção teórica precursora do feminismo negro. Há, contudo, uma parte de sua obra pouco conhecida, aquela na qual elegeu as práticas culturais como um lócus de observação e principalmente de disputa de narrativas nacionais, como as festas populares. A exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade, realizada no Sesc Vila Mariana, propõe um diálogo entre pensamento social, artes visuais e cultura popular a partir da pesquisa desenvolvida por Lélia Gonzalez para o livro Festas populares no Brasil (1987/2024) para pensar a dimensão estética, simbólica e política de suas manifestações, como carnaval, festas juninas, bumba-meu-boi, cavalhadas, maracatus, afoxés, e muitas outras, destacando sua origem e constituição fundamentalmente negra – amefricana. Organizada em cinco núcleos – Festas populares, o livro; Racismo e sexismo na cultura brasileira; Pele negra, máscaras negras; Beleza negra, ou: ora-yê-yê-ô! e De Palmares às escolas de samba, tamos aí – a mostra reúne a produção de dezenas de artistas e mais de cem itens históricos e artísticos, com destaque para três trilhas musicais e dois vídeos inéditos comissionados especialmente para a ocasião – iniciativa criada para a construção de uma abordagem mais acessível e contemporânea do tema. Assim, a seleção de obras busca contemplar os conteúdos que colaboram para o desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre produção artística e cultural em interface com a realidade social do país, com atenção ao processo de institucionalização e mercantilização das festas que tem relegado aos seus produtores diretos, em sua maioria pessoas negras/racializadas, lugares subalternizados e pouco lucrativos. As festas são espaços privilegiados de afirmação de existências, em narrativas múltiplas, complexas, poéticas e potencialmente subversivas. Espaço de ritualização da vida e da morte, de reorganização física e espiritual, de conexão entre as comunidades e de reconexão com a própria ancestralidade. A festa nos alimenta e nos ensina, a festa nos preserva e nos continua. Assim como tem sido compreendida a força da natureza, associada à origem da vida e ao feminino nas religiões de matriz africana no Brasil: a água. Neste sentido, o percurso curatorial tem início na série de fotografias de Lita Cerqueira sobre os festejos populares de Salvador (BA) em celebração às divindades da criação e suas águas, como Iemanjá e Oxalá, na perspectiva de mulheres negras de diferentes gerações; gira em torno da escultura de Nádia Taquary em homenagem a Oxum, firmada como ponto central da expografia; e deságua em “Kizomba, festa da raça”, enredo emblemático apresentado pela escola de samba Vila Isabel no desfile de 1988 em memória aos cem anos da abolição, registrado através das lentes de Januário Garcia. Assim, essa exposição é um convite ao encantamento crítico que faz morada nas festas populares brasileiras. "Axé Muntu!", saudação criada por Lélia, empregando as línguas ioruba (axé – poder, força, energia) e kimbundo (muntu – gente).

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Da negritude em nós

"Da negritude em nós", por Luiz Deoclecio Massaro Galina, Diretor do Sesc São Paulo Ao apresentar as festividades afro-brasileiras na publicação Festas Populares no Brasil, Lélia Gonzalez afirma que são nessas manifestações que se evidencia a noção de “deus em nós”. A expressão sintetiza a tese de que pessoas negras escravizadas desenvolveram formas possíveis de reelaboração de suas práticas culturais, combinando elementos da espiritualidade trazidos de África com as liturgias cristãs, estabelecendo novas tradições nos ritos populares. Se, no período escravagista, as pessoas negras detinham apenas seus próprios corpos, foram neles que circunscreveram e efetivaram a presença do sagrado, por meio da dança, música, comida, constituindo uma memória ancestral transmitida por gerações. Orientada por uma cosmo percepção que não dissocia as dimensões humanas materiais e subjetivas, a população africana em diáspora balizou as principais características da cultura popular brasileira. Movida por transversalidade similar, Lélia Gonzalez estabeleceu sua trajetória intelectual, integrando espaços e ideias entre o campo acadêmico, a militância nos movimentos sociais, os coletivos artísticos e a experiência religiosa. Habitando universidades, escolas de samba e terreiros, sua presença e contribuições tornaram-se pioneiras nas discussões contemporâneas sobre gênero, raça e classe. A vasta produção de Lélia demonstra que, como fenômeno do racismo, a “neurose cultural brasileira” se institui com a negação da sociedade ao tentar ocultar – paradoxalmente revelando – suas marcas negras e indígenas. No contexto contemporâneo, se constata um movimento, inclusive artístico, de contestação dessa invisibilização, e que busca evidenciar a presença de quem veio antes e de quem efetiva a continuidade. A exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade dialoga com o legado epistemológico da intelectual e ativista, valorizando as festas afro- brasileiras enquanto tecnologias de identidade, solidariedade e organização, e as personalidades anônimas que protagonizam tais manifestações, além de destacar o trabalho de artistas que elaboram temáticas afins. Se, para Lélia, a mulher preta é a “responsável pela formação de um inconsciente cultural negro brasileiro”, ao celebrá-la, o Sesc, em parceria com a editora Boitempo, possibilita que sua interpretação do Brasil receba a centralidade devida, ampliando o alcance de seu pensamento e práxis, e buscando inspirar diversos públicos.

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Ler Lélia Gonzalez

"Ler Lélia Gonzalez", por Ivana Jinkings, diretora da Boitempo Uma exposição a partir de um livro? Essa foi a ideia que levei ao Sesc São Paulo em setembro de 2022. Não é difícil entender por que foi prontamente acolhida por Danilo Santos de Miranda – e, em seguida, por Luiz Galina. Trata-se, afinal, de uma interpretação do Brasil que permaneceu prati camente inédita por quatro décadas. Mais que isso, Festas populares no Brasil é o único livro que uma das pioneiras do feminismo negro no país assinou, em vida, inteiramente como autora. Gonzalez cunhou o conceito de neurose cultural para explicar o paradoxo de uma identidade brasileira oficial construída a partir de símbolos e rituais afros e que, ao mesmo tempo, reprime violentamente o reconhecimento dessa herança. Por isso, as festas populares se inserem no coração das preocupações da autora, conhecida pela reflexão política sobre a realidade nacional e pelo debate teórico pioneiro a respeito das intersecções entre raça, classe e gênero. Figura-chave na consolidação do Movimento Negro Unificado em plena ditadura, Lélia desenvolveu uma leitura multidisciplinar da realidade brasileira, transpondo os muros da academia ao articular filosofia, psicanálise, antropologia, sociologia, geografia e história. Nunca separou reflexão teórica e engajamento político. À recusa de uma pretensa neutralidade científica se somou uma abertura às experiências artísticas e culturais de seu tempo, demonstrando que também se pensa e se luta através de manifestações culturais como o samba e outras festas. Assim, nossos festejos deixam de ser concebidos como particularidades exóticas subsumidas a uma perspectiva de exportação ou de assimilação ao discurso de democracia racial. A edição original de Festas populares no Brasil foi patrocinada por uma multinacional e distribuída como presente de fim de ano a funcionários, em 1987. Produzida em edição bilíngue, teve tiragem de 3 mil exemplares e nunca foi lançada para o público geral, mesmo depois de acumular prêmios. Ao lançar uma nova edição do livro e correalizar a exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade, a Boitempo se soma a um movimento coletivo de valorização e reconhecimento da produção intelectual do movimento negro brasileiro. Além de recuperar o texto integral de Lélia e apresentá-lo com novo projeto gráfico, fotografias e materiais inéditos, desdobrá-lo em exposição foi fruto do entendimento de estar diante de uma obra cujas reverberações vão muito além do texto em si. Afinal, entrar em contato com o pensamento de Lélia significa, entre outras coisas, identificar na riqueza de nossas festas populares um espantoso poder de revelação do que é o Brasil – e do que ele pode vir a ser.

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Festas Populares, o livro - "Gênesis"

Festas Populares, o livro Este núcleo da exposição apresenta uma introdução ao pensamento de Lélia Gonzalez como uma intérprete do Brasil, que observou atentamente nossa formação sociocultural. O nome é uma referência ao livro "Festas populares no Brasil", escrito por Lélia, publicado em 1987 e relançado agora, em 2024, junto dessa exposição. O livro é baseado em fotografias, acompanhadas de textos de Lélia, destacando principalmente as influências afrodiaspóricas nas festas tradicionais brasileiras realizadas em diferentes lugares do país. Algumas delas apresentam o contato e cruzamento entre manifestações culturais africanas, indígenas e europeias de viés cristão. No livro aparece o carnaval, a quaresma, festas juninas, o bumba-meu-boi, as cavalhadas, festas afro-brasileiras, festas natalinas e festas de igreja, dentre outras. Com destaque para os elementos artísticos e históricos que promovem a dinâmica e riqueza das festas populares, a autora afirma as conexões entre o sagrado e o profano, a presença e contribuição fundamental das populações africanas e indígenas para a formação sociocultural do país, assim como as relações de conflito e acomodação ainda vigentes em nossa cultura. O livro foi premiado na categoria de "Os mais belos livros do mundo" na Feira de Leipzig em 1989, na antiga Alemanha Oriental. Curiosamente, não houve comercialização da obra no seu lançamento. Sua produção, uma edição única de três mil exemplares, foi feita com o patrocínio empresarial da Coca-Cola, que a distribuiu como um presente de final de ano. Em 2024, o livro ganha uma nova edição, com fotografias e textos atualizados, pela editora Boitempo. Numa passagem do livro, Lélia diz: "As festas afro-brasileiras são o efeito simbólico de um extraordinário esforço de preservação de formas culturais essenciais trazidas de outro continente e que, aqui, foram recriadas sob condições as mais adversas. Afinal, a população negra não veio para o Brasil como imigrante, mas como escrava". Este núcleo conta com uma série de obras e suportes, distribuídos em paineis e numa ilha no centro do espaço. Há notícias de jornais, algumas da década de 1970, sobre a presença negra na cultura brasileira; materiais produzidos por Lélia, como aqueles referentes ao curso Cultura negra no Brasil, ministrado na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, na década de 1970, indicando o pioneirismo na docência sobre o tema e a complexidade de sua atuação em diferentes áreas do conhecimento. Há o enredo do cantor e compositor Candeia para o carnaval de 1978, que homenageava os 90 anos de abolição da escravidão, com anotações de Lélia. Uma série de pinturas, fotografias e emblemas relacionados às festas populares brasileiras. Uma coleção de discos que fizeram parte do acervo particular de Lélia e trechos de seus discursos, que podem ser ouvidos por um fone na ilha central. ********** A obra "Gênesis", do artista Rafael Simba também compõem o núcleo. É uma pintura produzida em 2022 com giz e tinta acrílica, e tem 100 centímetros de altura por 90 de largura. Esta obra apresenta diferentes personagens numa luta épica entre forças opostas. O fundo da pintura é um céu azul com nuvens brancas, que contrasta com as cores vibrantes dos personagens e do chão em tons de laranja e vermelho. No centro da imagem, um homem de pele negra, roupa branca e capa vermelha esvoaçante está montado em um cavalo branco. Com as duas mãos ele hasteia uma lança em direção a um dragão verde, que está com asas abertas e boca escancarada, vulnerável à ameaça. À esquerda do homem está uma mulher de pele negra e cabelos presos num coque. Ela é imponente. Usa um elegante vestido em tons de vermelho e laranja e segura um estandarte vermelho. Abaixo e ao lado desse conjunto há outros personagens que compõem a tela. À esquerda, três homens negros, vestindo camiseta branca e short laranja, parecem envolvidos numa festa. Um deles toca pandeiro e outro um tambor de mão. Pequenas velas brancas acesas circundam os homens. Do lado direito está um homem negro com cartola, capa e calça vermelhas. Com a mão direita ele segura um tridente vermelho e preto. Ele está rodeado de velas brancas e outros pequenos objetos, apoiados no chão. Ao lado deste homem há uma mulher negra e de cabelos pretos esvoaçantes. Ela usa um vestido branco e uma capa azul, que cobre também sua cabeça. Com as mãos ela toca delicadamente seu ventre grávido. Um círculo amarelo brilha ao redor de sua cabeça. ********** Neste núcleo há também a obra sonora aberta do DJ Machintal. A mixtape foi produzida especialmente para esta exposição e se chama "Trilhas de resistência: o legado de Lélia Gonzalez".

Festas Populares, o livro - "Gênesis"

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Festas Populares, o livro - "Vida, Dignidade e Fé"

Festas Populares, o livro As capas de discos que fizeram parte da coleção de Lélia Gonzalez permitem lançar um olhar especial a respeito da relação entre sua produção intelectual e a cultura brasileira. A discoteca da autora é composta por uma diversidade de gêneros musicais, desde música clássica, rock, até gravações de sambas-enredo das escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro, e produções de grupos como Ara Ketu, Ilê Aiyê e Olodum, da Bahia. Há também registros sonoros de festas do bumba-meu-boi, de missas católicas em língua iorubá e de folias de reis. Além de sua presença considerável em momentos de confraternização e celebração, a música enquanto coleção é bastante representativa dos gostos e interesses da pessoa que os coleciona. Nesse sentido, a discoteca de Lélia constitui um conjunto significativo de referências culturais das festividades afro-brasileiras e da presença dessas musicalidades tanto no repertório nacional quanto na subjetividade da própria autora. Ao serem entendidos como conjunto, os discos acabam também por tornar visíveis (e audíveis) as familiaridades entre diferentes produções artísticas brasileiras, qualquer que seja o seu contexto, indicando as matrizes afro-diaspóricas comuns entre elas. Você pode escutar a trilha sonora dos LP's nos fones que estão na ilha central deste núcleo. A ilha é composta por quatro suportes, cada um deles com duas capas de LP. As composições vão desde os anos 1970 até os anos 1990. Os fones estão apoiados numa alça na lateral esquerda de cada ilha. Na última eles estão do lado direito. ********** A pintura de Guilherme de Almeida é uma das obras relacionadas às festas populares brasileiras que Lélia pesquisou. Chamada "Vida, Dignidade e Fé", a obra foi produzida em 2023 com tinta acrílica e jornal sobre eucatex, uma chapa de fibra de madeira de alta densidade. A pintura tem 122 centímetros de altura por 178 centímetros de comprimento. A pintura retrata quatro mulheres negras, uma ao lado da outra. Elas estão no primeiro plano, imponentes e muito sorridentes. As mulheres usam roupas brancas com detalhes de rendas e bordados, turbantes brancos na cabeça e mantos vermelhos nos ombros. Detrás delas aparece discretamente o rosto de duas outras mulheres, ambas também com turbante branco. Cada uma das quatro mulheres em primeiro plano carrega diferentes objetos simbólicos das festas afro-brasileiras. Da esquerda para a direita, a primeira mulher segura dois buquês de flores, um com rosas amarelas e vermelhas e o outro com rosas brancas, além de um cajado marrom com adornos circulares. No seu pescoço há colares de contas amarelas e verdes. A segunda mulher segura outro cajado de madeira, com uma vela branca acesa na extremidade superior. A terceira mulher segura uma pequena caixa marrom, onde há a escultura de um santo apoiada sobre um tecido branco. Colares de contas amarelas adornam seu pescoço. A última mulher segura um cajado, também com uma vela branca acesa na extremidade superior. Notícias de jornal, com letras pequenas e fotografias coloridas, compõem o fundo da pintura.

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Racismo e sexismo na cultura brasileira. Cumé que a gente fica? - "Cama de campanha do meu tio paizinho"

Racismo e sexismo na cultura brasileira. Cumé que a gente fica? Um dos ensaios mais importantes de Lélia Gonzalez empresta seu nome a este núcleo. Publicado na década de 1980, em "Racismo e sexismo na cultura brasileira" Lélia diz: "Por aí se vê que o barato é domesticar mesmo. E se a gente detém o olhar em determinados aspectos da chamada cultura brasileira a gente saca que em suas manifestações mais ou menos conscientes ela oculta, revelando, as marcas da africanidade que a constituem. (Como é que pode?) Seguindo por aí, a gente também pode apontar pro lugar da mulher negra nesse processo de formação cultural, assim como pros diferentes modos de rejeição e integração de seu papel". Este núcleo reúne obras das artistas Eneida Sanches, Hariel Revignet, Lidia Lisbôa, Manuela Navas e Rainha Favelada. Elas foram produzidas especialmente para essa exposição e discutem, de uma maneira visual, as questões levantadas por Lélia nesse ensaio. O objetivo é criar um diálogo com o pensamento de Lélia, homenagear a importância de suas ideias no tempo atual e a continuidade da herança cultural afro-brasileira. Também busca discutir as presenças e ausências das mulheres, principalmente as racializadas, em lugares de prestígio no campo das artes e da cultura. Nesta faixa conheceremos a obra de Lidia Lisboa, intitulada "Cama de campanha do meu tio paizinho", que foi produzida especialmente para esta exposição, medindo 90 por 180 centímetros. É uma instalação de crochê em tecido com cama de campanha, que é uma cama dobrável ao meio no sentido do comprimento. O nome deste tipo de cama deriva do fato de que antigamente os exércitos utilizavam um colchonete fino e enrolável, para exercícios militares mais prolongados, em locais distantes, desérticos, matas, entre outros. A obra está localizada no centro do espaço que forma este núcleo. A cama é de solteiro e sua armação é de ferro pintado de branco. Sobre a cama estão uma série de tecidos em tons de rosa, branco, bege e marrom, todos trançados com muita firmeza. Quatro desses trançados se prolongam para fora da cama, formando uma espécie de corda, adornada com flores do mesmo tecido, que se prende no teto do SESC. Alguns objetos de argila com pedras encrustadas também estão sobre a cama, delicadamente apoiados sobre os tecidos trançados. Os objetos são ovais, parecidos com a fruta cacau. Em depoimento sobre sua obra, Lidia Lisboa diz: “[...] Por que Cama de campanha do meu tio Paizinho? Ele, quando era solteiro, dormia nessa cama [...] e um dia eu a enfeitei com folhas de feijão guandu e simplesmente coloquei uma florzinha amarela em cima. Ele ficou intrigadíssimo com essa obra, porque eu tinha apenas seis anos de idade. Então ele disse pra minha mãe: ‘Maria, cuida dessa menina porque ela não é desse mundo, essa menina é esquisita’. Passaram-se mais de trinta anos, eu morava na rua Dalvim e ele foi me visitar. Eu me lembro até hoje da roupa que ele usava: era uma calça jeans, uma camiseta branca e uma blusa de tricô vermelho. Quando ele entrou na minha casa, aquela casa toda colorida, ele olhou e disse: ‘agora eu sei quem era aquela menina! Aquela menina era uma artista e eu não entendi’. Eu fiquei surpresa porque foi a primeira vez que ele me contou essa história. O tio Paizinho não está mais entre nós, era caminhoneiro e de uma família de cinco: minha tia Toinha, Raquel, filha mais velha, que morreu – ele quis doar o rim a ela, mas ela não quis e decidiu morrer. Perdeu o filho Edson em um acidente de caminhão, ficando apenas a tia Toinha, Isabel, a outra filha dele, e uma neta. Então, hoje mora no céu a Raquel, tio Paizinho e o Edson, e a tia Toinha e Isabel moram aqui nessa [...] terra. Lembrando que o tio Paizinho foi um homem preto, e a Toinha, uma mulher preta. Raquel, uma menina preta e Edson, um menino preto. Somos todos meninos e meninas pretas, e vamo que vamo! Comé que é? Daqui pra frente como vai ser?”

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Racismo e sexismo na cultura brasileira. Cumé que a gente fica? - "Entre ânsia e o himeneu"

Racismo e sexismo na cultura brasileira. Cumé que a gente fica? Nesta faixa conheceremos a obra da artista Rainha Favelada. É uma instalação chamada "Entre ânsia e o himeneu", foi feita com técnica mista e produzida para esta exposição. A instalação é composta por vários elementos. O conjunto tem aproximadamente dois metros de diâmetro. Um tapete vermelho em formato quadrado está no chão. Dependurado do teto do SESC por fios quase invisíveis está um uniforme feminino. Ele está centralizado sobre o tapete vermelho, mas não chega a tocá-lo, permanecendo flutuando no ar. O uniforme é azul marinho com detalhes brancos na gola, nos braços e no avental. Ao lado do uniforme, apoiado no tapete, está uma sandália dourada com salto alto. Ela possui tiras que se cruzam e alcançam a panturrilha. Ao fundo, detrás do uniforme e da sandália, na ponta do tapete vermelho, está um móvel de madeira. Ele é semelhante a uma cômoda de quarto. Possui um adorno triangular e outro retangular na parte frontal. Acima, apoiado no móvel, estão uma série de elementos distribuídos simetricamente e que, juntos, configuram um altar. Há vários copos de vidro transparente, em tamanho real, cada copo com um santo dentro. Os santos são todos iguais. Eles estão posicionados de cabeça para baixo e de costas para nós. Ele é branco, tem cabelo preto e curto e está vestido com uma longa batina marrom. Com as mãos ele segura um livro aberto, e sobre esse livro está um bebê de pele branca, desnudo, sentado com as perninhas cruzadas. À frente do móvel, apoiado sobre o tapete vermelho no chão, também há uma imagem desse santo carregando o bebê, de costas para nós. No centro do altar está uma outra imagem de santo, desta vez de frente para nós. Essa imagem é grande em relação àquelas que estão dentro dos copos de vidro. Sob seus pés há um suporte circular onde está escrito: "Santo Antônio", popularmente conhecido como o santo casamenteiro. O santo tem a pele branca e veste uma longa batina marrom. Com a mão direita segura um buquê de lírios laranjas e com a esquerda segura um bebê, vestido com uma bata branca com detalhes dourados. O bebê está com os dedos indicador e médio da mão direita esticados. No topo do altar sobre o móvel há um porta retrato com a foto de uma simpática mulher negra. Ela está com vestido branco, ao lado de um móvel coberto com toalha branca e dois vasos com flores brancas sobre ele. Sobre o altar também há dois copos de vidro vazios e duas velas brancas, grandes e redondas, uma de cada lado do altar; e um crucifixo com jesus, pendurado no canto esquerdo do móvel. Em depoimento sobre sua obra, Rainha Favelada diz: “no limiar do compromisso eterno, onde os corações se entrelaçam como folhas dançantes ao vento, ergue-se o altar de casamento. Este santuário de amor, adornado com a tapeçaria das esperanças compartilhadas e sonhos entrelaçados, é o palco onde o amor escreve seus votos em páginas de promessas. Sob um arco de promessas, flores desabrocham como juras de eternidade, cada pétala uma nota na sinfonia do compromisso. Velas lançam seu brilho tênue, iluminando caminhos entrelaçados e testemunhando a chama ardente da paixão que arde nos corações dos amantes. Cadeiras alinhadas, não apenas para acomodar corpos, mas para dar lugar aos sorrisos cúmplices, lágrimas de alegria e olhares que transcendem o tempo. Cada assento é um testemunho silencioso daqueles que compartilham este sagrado momento, onde as almas se unem na jornada da vida. Desmistificar o amor, é o caminho que se pôs sob meus pés desde o entendimento do meu pertencimento no mundo, ou até mesmo, a falta dele. Usarei a falta, já que essa vem se fazendo minha companheira no caminho que encontrei pronto, com sinalizações de siga, onde se aponta a rua do desafeto, solidão e relações descartáveis, na cidade da cisgeneridade e país da brancura. O encontro com o afeto, já é algo que corpos negros não têm fácil acesso, adicionar a este corpo a travestilidade, elucida a solitude que escancaro e que me faz pavimentar caminhos possíveis, onde subverto a ideia universalista do amor romântico como padrão de relacionamento. A instalação de um matrimônio protagonizado por uma travesti preta estabelece uma nova relação semiótica com a travestilidade. A partir da descrição de Lélia Gonzalez dos locais sociais previstos para as mulheres negras cisgêneras: a ama de leite, a doméstica e a passista de samba, a obra sustenta-se na construção de um sonho, de um local social ainda inexistente. O que se pretende é criar um cenário no qual uma travesti preta tenha a representação visual e material de um cenário do qual é sistematicamente descartada: o matrimônio. Gonzalez debate o casamento como uma instituição na qual mulheres negras são destituídas até mesmo de sua representação visual. Na grande mídia, filmes, músicas e demais instituições responsáveis pela propagação de imagens, não é usual vermos a figura de uma mulher negra com véu e grinalda sendo exaltada e assumida para família e amigos. O local da travestilidade, historicamente protagonizado por feminilidades negras, vem carregado de representações visuais e sociais que evocam a agressividade, a prostituição e a violência. A travestilidade negra não possui representação iconográfica do casamento, sequer existe um lugar de convite como meras espectadoras para cerimônias matrimoniais, uma vez que o ambiente familiar, a possibilidade de fazer parte de uma família, é automaticamente descartada. A interlocução que se pretende com esse trabalho é dialogar diretamente com as travestis negras, para que, deste modo, possamos construir juntas imagens ainda inexistentes de novos imaginários sociais. Interlocução essa que é fielmente inspirada no diálogo que Lélia constrói com mulheres negras cisgêneras em seus textos, esse trabalho é uma conversa, um presságio, um desejo íntimo meu às travestis pretas".

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Pele Negra, máscaras negras - "O Guardião (série Folia)"

Pele Negra, máscaras negras O título deste núcleo parte de um jogo de palavras com o livro "Pele negra, máscaras brancas", de Frantz Fanon, pensador e psiquiatra da Martinica falecido em 1961. Esse autor exerceu influência sobre Lélia Gonzalez e toda sua geração, sobretudo ao pensar os efeitos subjetivos do racismo nos indivíduos. O livro aborda de forma inaugural uma perspectiva que envolvia a psicanálise e a desalienação negra do complexo de inferioridade. Inspirado em um objeto recorrente em inúmeras festas populares brasileiras, este núcleo apresenta um variado conjunto de máscaras e mascarados oriundos de diversas regiões do Brasil, com destaque para os elementos simbólicos que remetem às tradições e fundamentos da cultura afro-brasileira. Propriedades como o material, a aparência e movimentos se destacam ao mostrar como são criadas e usadas, e suas possíveis conexões com máscaras de diferentes contextos no continente africano, usadas em celebrações e outras manifestações culturais. Assim, bate-bolas, bumba-meu-boi, caretas de cazumbá, mascarados de folia de reis, carnaval e outras festas podem ser vistos, imaginados, usados, herdados e continuados nos dias de hoje. Nesta faixa conheceremos com mais detalhes a obra de rOnA. Ele é um multiartista cuja produção combina diversas linguagens, entre as quais a performance e a pintura. Sua formação relaciona-se especialmente com a dança e o teatro, mas também com a folia de reis, praticada na comunidade em que nasceu, o Morro dos Pretos Forros, localizado entre a Água Santa e o Lins, bairros da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. A obra de rOnA é uma máscara intitulada "O Guardião (série Folia)". Foi produzida em 2018 com diferentes materiais, como arame, fibras naturais secas de Espada de São Jorge, palha de coqueiro e bucha natural, búzios, veludo, fios coloridos e contas de miçangas. Tem aproximadamente 120 centímetros de altura por 50 centímetros de diâmetro. A parte da cabeça é feita com uma sobreposição de folhas secas verticais, cujas pontas se prolongam até o pescoço. Duas pequenas contas de búzios costuradas com linha vermelha fazem os olhos da máscara. Um orifício oval representa a boca. Sobre ela há quatro pequenas hastes de metal posicionadas na vertical e costuradas com linha vermelha. Saindo de dentro da cabeça feita de folhas há muitos pequenos fios coloridos, que formam uma espécie de franja. Em uma entrevista, Rona comentou: “A folia de reis da minha comunidade é uma grande influência para mim. Suas cores, música, poesia, suas performances. Eu via aquela explosão de tudo sentado na sacada da janela e queria saber como se construía aquilo. Fui a um museu muito, muito depois”. Essa percepção das festividades populares como expressões visuais pode ser observado no trabalho de rOnA aqui apresentado, que faz uma releitura de uma máscara da folia de reis. Festividade presente em grande parte do Brasil, ela está relacionada ao ciclo natalino e celebra a jornada dos três Reis Magos à Belém para presentear o Menino Jesus. Os participantes seguem em peregrinação noturna, acompanhados por músicos e cantores, pedindo donativos às pessoas. Os mascarados representam figuras simbólicas que não podem entrar em casas que tenham presépios montados. Como em muitas celebrações festivas católicas, sua participação costuma estar relacionada ao pagamento de alguma promessa".

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Pele Negra, máscaras negras - "Cara de Cazumba" "Gato de marajá"

Pele Negra, máscaras negras Três máscaras que evocam os festejos populares compõem um conjunto de obras do artista Dinho Araújo. A primeira delas é uma Careta de Cazumba, de 2021, feita com tecido bordado, couro e contas. Suas dimensões são aproximadamente 28 centímetros de altura por 21 centímetros de comprimento por 10 centímetros de largura. No topo e nas laterais ela é feita com tecido florido em tons de marrom, com alguns detalhes em azul e amarelo. No centro da máscara predomina a cor branca. Ela perpassa a parte dos olhos, que são dois orifícios delineados com linha amarela, e chega até o nariz, que é comprido e vermelho. Da testa até o nariz há uma faixa triangular e vertical com fundo vermelho. Sobre ela, há um adorno também vertical com fundo preto e flores costuradas em linha amarela sobre ele. As laterais são adornadas com pequenas contas de metal. A parte da boca possui um fundo preto, em formato losangular, como se fosse uma barba. Sobre o fundo estão os lábios. Eles são vermelhos e possuem pequenas bolinhas de metal ao redor deles, como se fossem dentes. A segunda também é uma Careta de Cazumba, de 2023, feita com corino, couro de bode, bordado e costura manual. Tem 30 centímetros de comprimento por 23 centímetros de altura por 22 centímetros de largura. O topo, o contorno dos olhos e o nariz são vermelhos. O fundo é inteiro preto. Há um detalhe nas bochechas, em formato da letra V e na cor azul, que faz parecer uma barba. A terceira, chamada de Gato de marajá, foi produzida em 2024 com técnica de serigrafia em corino, camurça e bordado com costura manual. Tem 34 centímetros de comprimento por 34 centímetros de altura por 15 centímetros de largura. Ela é inteira coberta com estampa de onça-pintada. Na parte dos olhos há um corino marrom sobre a estampa de onça, e sobre ele, dois olhos vibrantes delineados com a cor azul. As máscaras de Dinho Araújo evocam uma passagem do livro Festas populares no Brasil, onde Lélia diz que "o essencial é que os procedimentos dinâmicos da reinterpretação cultural adaptaram o folguedo ao universo simbólico do povo brasileiro recriando-o a partir de seus diversos componentes culturais. É nesse sentido que podemos afirmar ser o bumba-meu-boi um auto popular afro-luso-americano com presença manifesta na extensão territorial do país e, em consequência, na diversidade de termos que o designam: do Boi-bumbá, Boi-surubi, Boi-calemba, Boi-de-reis, e tantos outros no Norte-Nordeste ao Boi-de-mamão de Santa Catarina e ao Boizinho do Rio Grande do Sul".

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Objeto tátil

Obra Tátil Na mesa à sua frente está a obra tátil desta exposição, uma máscara feita pelo artista Filipe Cartaxo. Ela foi confeccionada artesanalmente com tinta acrílica e serigrafia sobre madeira. Cartaxo é o responsável pela identidade visual do BaianaSystem, grupo musical que criou uma sonoridade única por meio do condensamento da guitarra baiana, dos trios elétricos e do sound system, somado a outros gêneros musicais - uma proposição que é, simultaneamente, contemporânea e tradicional. A mesma orientação pode ser observada no trabalho de Cartaxo, que imprimiu uma estética singular no campo artístico-musical para o grupo, articulando plasticamente as matrizes musicais da banda com uma visualidade festiva e brincante. Partindo das máscaras dos Caretas - personagens tradicionais do carnaval da Bahia, representados com as cores azul e branco e que aludem à Festa de lemanjá -, as máscaras se tornaram uma de suas marcas e são entregues durante as apresentações do grupo. Elas compõem ativamente a experiência de estar em um espetáculo do BaianaSystem, tornando-se uma espécie de objeto artístico que se vincula a outras máscaras presentes em nossas festividades populares. Os sentidos próprios que ganham na hora do show são conferidos individual e coletivamente por quem as usa e incorpora as experiências/atitudes dos brincantes populares, contribuindo com elementos corporais e sensoriais.A máscara tátil tem o mesmo tamanho e formato de outra máscara de Cartaxo, que está presa à parede laranja do SESC, logo acima da obra tátil. Cada uma das máscaras mede 35 centímetros de altura por 25 centímetros de comprimento. A máscara tátil é dividida em três partes ligeiramente afastadas umas das outras. As duas das extremidades são quadradas na parte superior e triangulares na parte inferior. A da esquerda possui uma ponta triangular e a da direita possui uma abertura do mesmo formato da primeira, como se se encaixassem. O encaixe das formas produz a imagem de um nariz virado para a direita. A parte da esquerda é pintada de vermelho e possui um orifício redondo representando os olhos. O orifício é pintado de vermelho, azul e preto, cada uma das cores destacando-se da outra também pelas bordas onduladas. A parte da direita é pintada de preto, e o orifício redondo que representa os olhos também é pintado vermelho, azul e preto, com as bordas onduladas. A forma central possui um fundo preto com estampas em azul de rostos humanos. Ela se estende verticalmente e horizontalmente, criando uma ligação visual com as duas partes das extremidades. A máscara original possui o mesmo formato da tátil: duas partes localizadas nas extremidades e uma na parte central, com um pequeno espaço entre elas. As formas à direita e à esquerda, das extremidades, tem fundo preto com rostos humanos em branco, e em cada uma delas há um círculo vazado que representa os olhos. A forma central é colorida com um azul vibrante. Ela se estende verticalmente e horizontalmente, criando a ligação visual com as duas partes das extremidades. Sinta as formas e texturas da máscara. Repare como elas ecoam o rosto humano mas são também subjetivas, indo além dele. Fique por aqui o tempo que desejar e aproveite. Esperamos que tenha gostado. Agradecemos a visita.

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Beleza Negra, ou: ora-yê-yê-ô - "omi ati afẹfẹ (Água e Vento)"

Beleza Negra, ou: ora-yê-yê-ô Os afoxés são cortejos com a presença de reis e rainhas, possuindo estreita relação com os terreiros de candomblé de Salvador (BA). Em sua origem referem-se a cortejos nigerianos, realizados em celebração a Oxum – orixá associada às águas doces, à fertilidade, à riqueza e à beleza –, mas que no Brasil abarcaram outras divindades femininas. Ijexá é o principal ritmo dessa manifestação popular, tendo como instrumentos base o agogô e um conjunto de tambores. A partir da reivindicação de um lugar de poder na composição estética das festas populares e dos elementos visuais criados e utilizados pelos seus participantes, esse núcleo tem como proposta pensar a beleza em sua dimensão política e afirmativa. Além disso, a própria Lélia Gonzalez é apresentada enquanto uma personalidade de inserção na cultura que se propôs a refletir teoricamente o tema, mas que também esteve inserida organicamente, como uma intelectual da práxis. A autora teve grande proximidade com os blocos afro Olodum e Ilê Aiyê, na Bahia, Agbara Dudu, no Rio de Janeiro, e também da Escola de Samba Quilombo, fundada por Candeia (Antônio Candeia Filho) em 1975, na mesma cidade. Este núcleo é dedicado a pensar a beleza em sua dimensão política e afirmativa, reivindicando a dimensão estética e política da beleza, com ênfase nestes aspectos em inúmeras festas. O núcleo reúne desde objetos pessoais de Lélia, como um espelho com moldura de metal e braceletes em bronze, até telas, fotografias, serigrafias sobre tecidos, obras audiovisuais e instrumentos musicais, como um agogô. Este núcleo também possui uma obra sonora aberta intitulada "Rádio Lélia", da DJ Miria Alves, feita especialmente para esta exposição. Vamos conhecer com mais detalhes a obra da artista Nádia Taquary. É uma instalação chamada "omi ati afẹfẹ (Água e Vento)", produzida especialmente para essa exposição. É feita com bronze, búzios africanos, chapa de latão, madeira ipê e miçangas de vidro da República Tcheca. Tem aproximadamente 250 centímetros de altura por 140 centímetros de largura por 50 centímetros de profundidade, e está localizada no espaço central deste núcleo. A escultura é de corpo inteiro e representa um corpo feminino. Longos fios de miçangas douradas fazem a vez do corpo. Na extremidade inferior, as pontas dos fios possuem búzios brancos, formando uma espécie de franja volumosa. As pontas estão delicadamente apoiadas num suporte quadrado, na cor laranja, e produzem uma sensação de movimento como as ondas do mar. Na parte superior dos longos fios de miçangas douradas está a cabeça, em formato oval. De frente ela é feita com latão dourado. Detrás ela é feita de madeira polida e possui um intrincado trançado losangular feito com fios de miçangas douradas. O trançado se projeta para trás, como se fosse o penteado dos cabelos preso num coque volumoso. Duas grandes asas, uma de cada lado da escultura, se projetam para os lados. Elas são finas e curvas, como se movessem delicadamente. Uma está elevada, apontando para cima, e a outra está virada para baixo, indicando o chão. Como diz Nádia Taquary em depoimento sobre sua obra, “é uma grande honra poder criar uma obra que homenageia Lélia Gonzalez através de seu orixá Oxum Apará. Lelia é, sem dúvida, para mim, uma grande representação do poder feminino de realização intrínseco às Yabás, as grandes mães da coletividade. Isso é nítido em sua luta por direitos humanos, igualdade racial e protagonismo feminino preto. Neste trabalho uso os fios de contas douradas, relacionados a Oxum e a Oxum Apará, aoselequês usados por seus filhos; o bronze, metal de Oxum; e a forma reina com seu penteado coroa, como a vejo enquanto grande liderança feminina, muito bem alinhada ao seu orixá. As asas estão associadas aos ventos de Oxum Apará, a liberdade e a proteção. Faço também através delas uma referência às grandes mães ancestrais, cujo poder de movimento e criação, ligados à coletividade, identifico tão nitidamente em Lélia. O rosto de bronze da minha série Oriki é o que não se vê fala tanto de uma história negada quanto da importante presença de mulheres negras em sua construção. Trago também a possibilidade de olharmos e nos reconhecermos enquanto potência ancorada nesse feminino ancestral”.

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Beleza Negra, ou: ora-yê-yê-ô - "Iemanjá"

Beleza Negra, ou: ora-yê-yê-ô Isa do Rosário de Maria é uma artista que, há mais de 15 anos, utiliza diferentes métodos e suportes para a divulgação e preservação da cultura afro-brasileira. Sua obra chamada "Iemanjá", é um bordado sobre tecido produzido entre 2022 e 2023 que tem 135 centímetros de altura por 370 centímetros de comprimento. "Iemanjá" é uma obra em tons de azul escuro, como o do oceano. No centro está Iemanjá. Sua pele é negra, tanto na cabeça quanto nos braços, que parecem mover-se com elegância. O rosto não tem detalhes, mas seu corpo é coberto por um vestido florido feito por uma variedade de elementos bordados no tecido, incluindo conchas, miçangas, fitas e tecidos multicoloridos. Ao redor de Iemanjá e por todo o tecido azul há inúmeros bordados que formam peixes brancos e negros, redes de pesca e outros padrões intricados que evocam o mar. Os bordados possuem detalhes minuciosos e são feitos com pérolas, pedras, miçangas, linhas coloridas e outros elementos que conferem textura e complexidade à obra. No topo, há uma faixa horizontal com padrões geométricos em preto e branco, como se fosse o céu ou a linha do horizonte. A obra de Isa do Rosário celebra a cultura afro-brasileira e a beleza das orixás como Iemanjá. Ela ecoa muitas das contribuições de Lélia Gonzalez. Em "Beleza negra, ou: Ora-yê-yê-ô!", texto de 1982 que dá nome a este núcleo, Lélia disse: "Nunca esquecerei o Carnaval de 1978, que passei em Salvador. Graças à recomendação do Macalé, um de seus fundadores, participei do desfile do Ilê. Foi de arrepiar e fazer o coração da gente bater disparado. Jovens negras lindas, lindíssimas, dançando ijexá, sem perucas ou cabelos 'esticados', sem bunda de fora ou máscaras de pintura, pareciam a própria encarnação de Oxum, a deusa da beleza negra. Enquanto isso, a música dizia: 'Aquela moça/ Que tá na praça/ Tá esperando/ É o bloco da raça/ E quem é ele?/ Eu vou dizer/ É o bloco negro/ Ele é o Ilê Aiyê…'"

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"Passistas em dois tempos"

Beleza Negra, ou: ora-yê-yê-ô Nesta faixa conheceremos o vídeo "Passistas em Dois Tempos". Ele foi produzido pelo Coletivo Lentes Malungas em 2024, para esta exposição. O vídeo tem aproximadamente 7 minutos e retrata a história e o legado de uma escola de samba pela perspectiva de duas mulheres, uma senhora da velha guarda e uma jovem passista. Em depoimento sobre o vídeo, o coletivo diz: “nós somos Lentes Malungas, coletivo de mulheres pretas voltado à pesquisa, documentação e produção audiovisual. O projeto Passistas em dois tempos apresenta a corporalidade e os movimentos das passistas de escola de samba. Nos interessa registrar manifestações culturais contemporâneas e dar sequência à investigação em torno do carnaval e do samba. A partir do nosso repertório de pesquisa construímos a obra que apresenta a historicidade sobre a técnica, os conhecimentos sobre o dançar e o legado de sambar. Ancoradas nos depoimentos e experiências de duas personagens, Nena e Tiffany, apresentamos avó e neta de uma família tradicional do Brinco da Marquesa, escola de samba da zona sul de São Paulo. O cenário é a própria casa de Nena, baseado no conceito da poética dos espaços e da casa-museu, em que o cotidiano é expresso na materialidade dos objetos, dos adornos, das bandeiras e das fotografias. Naquele lar, a memória do samba é elaborada e recriada de forma espiralar em que dois tempos se encontram no hoje. A convivência e circulação da comunidade nos remete ao movimento e continuidade dos quintais das pequenas Áfricas. O vídeo nos direciona a repensar a presença da mulher negra enquanto detentora de saberes específicos, rompendo com estereótipos limitantes, abordagem presente também no pensamento de Lélia Gonzalez, intelectual que é referenciada em nossas condutas e processo criativo”. O vídeo se inicia com foco nos pés de uma senhora usando sapatilha e sambando graciosamente. Apresenta então a sala de uma casa, com quadros na parede, porta-retratos sobre uma mesinha, faixas onde se lê “embaixadora do samba” ou “cidadã do samba” apoiadas sobre uma poltrona e um estandarte da “velha guarda”. Uma cuia com miçangas coloridas dentro, um sapato dourado de salto, uma caixa com maquiagens, um batom vermelho. A senhora aparece na sala vestida com roupa branca e a faixa embaixadora do samba sobre o peito. Ela é uma mulher negra, altiva e elegante. Usa óculos de grau e um discreto turbante em tons de marrom e amarelo cobrindo a cabeça. Na sequência uma mulher jovem passista entra na mesma sala e fica ao lado da senhora, que se senta na poltrona. A jovem repousa a mão sobre seu ombro, em sinal de carinho e respeito. A passista usa um vestido amarelo cheio de pedras bordadas e um sapato de salto muito alto. Ela tem cabelos loiros e crespos na altura do ombro. A senhora e a passista ensinarão os movimentos do pé, dos ombros e das mãos no samba.

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De Palmares às escolas de samba, tamo aí! - "Baiana e Dois Sambistas"

De Palmares às escolas de samba, tamo aí! Este núcleo destaca a maestria da arte produzida no chão das escolas de samba paulistanas e cariocas, do congado mineiro e das irmandades católicas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. É também uma reverência às matriarcas negras “enquanto perpetuadoras dos valores culturais afro-brasileiros; aqui, as ‘mães’ e as ‘tias’ têm um papel fundamental”. Para Lélia Gonzalez, Palmares forjou uma nacionalidade brasileira por construir, baseada na igualdade. E parte desse legado tem sido alimentado, preservado e se perpetuado através da atuação de mulheres negras, desde a criação dos quilombos, passando por todas as experiências sociais e culturais do povo brasileiro, até a formação de instituições como os terreiros de candomblé e as escolas de samba. Cabe ressaltar o papel feminino no surgimento do samba enquanto gênero musical a partir de Tia Ciata, e a expressão cultural ligada à identidade nacional – aqui representado por sambistas ilustres presentes em algumas obras. Também o carnaval, a maior e mais importante festa popular do país, foi profundamente marcado pela influência de grupos proletários negros que perceberam a possibilidade de exteriorizacão de sua cultura a partir das agremiações carnavalescas. ********** A pintura "Baiana e Dois Sambistas", do artista, compositor e cantor Nelson Sargento, foi produzida em 2006, em tinta óleo sobre tela e tem 95 centímetros de altura por 76 de de largura. A obra retrata uma cena vibrante e colorida com três personagens centrais: uma baiana e dois sambistas, sobre um solo cor de laranja. A baiana está no centro, veste uma blusa azul com mangas bufantes e uma saia volumosa. A saia é listrada de vermelho, verde, amarelo e azul, e tem o adorno de três estrelas - uma vermelha, uma amarela e uma branca. A baiana usa um turbante amarelo e branco na cabeça. Ela está com o braço esquerdo elevado e o direito dobrado, apoiando a mão em sua cintura com elegância. À esquerda da baiana está um dos sambistas. Ele usa uma blusa azul e amarela e calça vermelha. Seus braços estão erguidos ao alto e a perna direita dobrada atrás da esquerda, indicando o movimento de dança. À direita da baiana está o outro sambista. Ele usa um macacão verde e rosa, e também levanta os braços e a perna, indicando movimento. Ao fundo, uma série de casas coloridas – cinza, azul, vermelho, rosa e amarelo – com telhados vermelhos e janelas brancas. As casas são situadas ao pé de uma colina verde, contra um céu azul claro com algumas nuvens brancas, sugerindo um dia ensolarado. Algumas andorinhas pairam no céu. ********** Neste núcleo há também uma obra sonora aberta, de Allan Abbadia, com participação de vários outros artistas. A obra é intitulada "Festança – Tecnologias Sonoras da Afro Diáspora". Produzida especialmente para esta exposição, Abbadia afirma que “é na festa que há a junção da música com o gesto, o corpo. No pensamento afrodiaspórico, ambos possuem a mesma importância do dom do discurso. Se o corpo faz parte da música, é através dele que ela também é compreendida. Festa também é lugar de socialização, de comunicação de (re)construção, onde se eterniza saberes; é a afrografia, a oralitura, é cultura viva que se funde e se transforma a partir dos seus fundamentos. A obra [sonora] propõe um diálogo entre as manifestações populares, a partir de fragmentos musicais como os afoxés, a cavalhada, o maracatu baque virado, maracatu rural, as irmandades e parte do extenso universo proposto pelas escolas de samba. Há um fio condutor, que liga essas manifestações não somente entre si, mas também à temporalidade. O moderno tradicional e o tradicional moderno, pois ancestralidade é sobre futuro, passado e presente”. O comentário de Abbadia ecoa uma passagem do texto de Lélia intitulado "A categoria político-cultural da amefricanidade", de 1988, onde ela afirmou que "reconhecer a amefricanidade é, em última instância, reconhecer um gigantesco trabalho de dinâmica cultural que não nos leva para o lado do Atlântico, mas que nos traz de lá e nos transforma no que somos hoje: amefricanos".

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De Palmares às escolas de samba, tamo aí! - Ala das baianas no desfile das Escolas de Samba

De Palmares às escolas de samba, tamo aí! Januário Garcia foi um fotógrafo e ativista brasileiro nascido em Belo Horizonte, em 1943. Ele se mudou para o Rio de Janeiro quando tinha dez anos e adquiriu sua primeira câmera fotográfica em 1963. Concluindo os cursos de Arte e Fotografia que frequentou, fez trabalhos para jornais como O Globo e Jornal do Brasil. As fotografias aqui exibidas revelam seu lado mais poético, que ficou menos conhecido em função da projeção de seu trabalho documental sobre o movimento negro brasileiro. Januário se notabilizou pelo questionamento da ausência de pessoas negras na mídia e criticava abertamente as campanhas publicitárias racistas da época. Algumas das fotografias exibidas aqui trazem o carnaval no Rio de Janeiro ainda na década de 1970, antes da criação do sambódromo, com uma singularidade muito destacada, que registrou a tradicional Ala das Baianas sob um novo prisma. Em seus registros da década de 1980, já no sambódromo, é marcante a presença de pessoas negras desfilando com altivez e beleza, bem como o caráter de aprendizado cultural comunitário presente nas fotografias de crianças tocando instrumentos. O fotógrafo foi um grande amigo de Lélia, se conheceram como vizinhos, antes do movimento negro, e sempre se mantiveram próximos. Há três fotos, datadas de 1972, todas em branco e preto. Elas retratam a A la das baianas no desfile das Escolas de Samba na Av. Rio Branco, Rio de Janeiro. Várias mulheres estão na avenida, com luzes de holofotes brilhando sobre elas. As mulheres usam turbante branco na cabeça e vestidos brancos rendados. Suas saias se esvoaçam, parecem dançar com esplendor e alegria. Numa das fotos uma das baianas se destaca. Ela está de costas para nós, com o braço direito estendido ao lado do corpo e um buquê de flores brancas na mão. Sobre seu turbante há outras flores brancas, adornando-o. Colares de contas brilham no pescoço e uma faixa branca com detalhes em preto está delicadamente apoiada no seu ombro direito. Há um outro conjunto, de duas fotos coloridas, ambas datas de 1977. A primeira é do desfile das Escolas de Samba na Av. Presidente Vargas, no Rio de Janeiro. Nela são retratados vários homens jovens negros, todos vestidos com a mesma roupa: uma blusa e uma calça rosa com detalhes prateados. Na cabeça, um chapéu com um penacho no mesmo tom da roupa. Cada um dos jovens segura com uma das mãos uma baqueta e um instrumento percussivo, por meio de uma alça verde transpassada no peito. Um menino com seu instrumento se destaca dos demais; ele está um pouco à frente do grupo e observa curioso algo ao lado. A segunda foto retrata a Bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel em desfile na Av. Presidente Vargas, Rio de Janeiro. Aqui também há vários homens com suas caixas. Eles vestem uma camiseta listrada de verde e branco, calça branca e chapéu branco, adornado com uma fita verde. Um dos homens se destaca, um pouco mais a frente do grupo. Altivo, ele observa algo ao seu redor. No seu repinique há uma faixa preta com o escrito em linhas brancas: "Bateria marca registrada do Brasil: a mais quente, Padre Miguel". É uma referência ao apelido popular que a bateria ganhou por ser a única a tirar nota dez e inovar com a "paradinha", sob a batuta de Mestre André. Por fim, há uma foto colorida da Comissão de Frente da Vila Isabel no desfile das Escolas de Samba no Sambódromo no Rio de Janeiro. Com o enredo "Kizomba: a festa da raça", a escola foi campeã do carnaval de 1988. Na avenida iluminada por holofotes, vêm chegando a comissão de frente, formada por muitas pessoas, umas ao lado das outras. São homens negros vestindo roupas suntuosas com penas azuis e brancas, escudo marrom numa mão e lança na outra. À frente delas está um homem negro, inteiro vestido com roupa branca brilhante, colares de contas coloridas no pescoço e chapéu na cabeça. Ao fundo, uma placa no carro alegórico onde se lê "Kizomba". Pense nessas obras em relação a uma entrevista para o livro Patrulhas ideológicas, de 1980, onde Lélia disse o seguinte: "Eu gostaria de colocar uma coisa: minoria cultural a gente não é não, tá? A cultura brasileira é uma cultura negra por excelência, até o português que falamos aqui é diferente do português de Portugal. Nosso português não é português, é pretoguês".

De Palmares às escolas de samba, tamo aí! - Ala das baianas no desfile das Escolas de Samba

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Sete léguas

De Palmares às escolas de samba, tamo aí! No livro Festas Populares, Lélia diz que " foi das camadas populares que precederam essas contribuições, essa nova configuração que deu identidade própria ao Carnaval brasileiro. Sobretudo dos segmentos negros urbanos que, pressentindo as possibilidades de ritualização oferecidas pelo Carnaval, foram ocupando esse espaço de festa com seus ritmos, seus cantos e suas danças. E é justamente na perspectiva da procedência dessas contribuições que podemos entender o Carnaval como festa popular – a maior do país" Nesta faixa conheceremos o vídeo "Sete léguas", produzido por Rafael Galante e Joaquim Castro em 2024. O vídeo tem aproximadamente 7 minutos e retrata a história e o legado do samba e do carnaval em São Paulo, com fotos e trechos de filmagens. O vídeo se inicia com uma afirmação de Dionísio Barbosa, escrita em branco sobre um fundo negro: “O carnaval dos oitocentos era o carnaval do meu pai. Dança de negro no carnaval dos oitocentos, em São Paulo, não era cordão nem escola de samba, era Caiapó”. Aparecerão uma série de fotos em preto e branco de uma cidade, com ruas de paralelepípedo e casas em estilo colonial. Depois, fotos panorâmicas em preto e branco de uma paisagem com colinas verdes e casas espaçadas, com o escrito "Quilombo do Saracura, Praça 14 bis”; e fotos de um riacho, com casas no morro logo acima dele. O vídeo seguirá com trechos de filmagens. Grupos de pessoas negras aparecem vestidas com roupas suntuosas, cheias de penachos. Uma das pessoas carrega um estandarte e outras um instrumento percussivo. Pessoas dançam no centro de uma grande roda. Depois outros grupos aparecerão, cada um com uma roupa diferente. Pessoas com chapéus ovais, pessoas com roupas de palha e penas na cabeça, uma delas segurando uma viola e outras carregando instrumentos percussivos. Pessoas vestindo branco e outro estandarte empunhado por uma delas. São os diferentes grupos de samba, imagens e vídeos históricos de vários grupos em São Paulo. Logo aparecerá fotos em preto e branco de Pirapora do Bom Jesus, São Paulo, uma cidade à beira de um rio com uma grande igreja ao fundo. Filmagens de pessoas na praça da cidade e de homens negros afinando instrumentos percussivos, em preparação para uma festa. Senhores negros puxarão o canto enquanto mulheres e homens jovens dançarão animadamente. Pai João Diogo, “General do samba”, é um dos senhores que puxam o canto. Os passos das participantes são complexos e combinam com a batucada. Dionísio Barbosa também aparecerá falando e cantando. Ele é um senhor negro com barba branca, chapéu e camisa branca. Depois, imagens do Cordão da Barra Funda, origem do Camisa Verde e Branco, retratando suas festas; e outras filmagens com pessoas dançando e carregando bandeiras. Também aparecerá o Cordão do Vai Vai e o Carnaval da Vila Esperança. O filme se encerra com uma dedicatória a muitos nomes do samba, como Pai João Diogo, Zé Soldado, Sebastiana Augusta da Silva, Dona Sinhá, Tia Cleuzi, Raquel Trindade, Osvaldinho da Cuíca, Geraldo Filme, dentro outras pessoas.

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De Palmares às escolas de samba, tamo aí! - "Joia rara" e "Sorriso aberto"

Nesta faixa conheceremos dois outros trabalhos que compõem o núcleo “De Palmares às escolas de samba, tamo aí!”. O primeiro é uma pintura de Bea Machado, intitulada Jóia Rara. Bea Machado, nascida em 1992 no Rio de Janeiro, é uma artista visual que explora a identidade suburbana carioca e seus símbolos. Inspirada pela infância em Bangu, aborda temas como luto, festa e fé. A pintura Jóia Rara, de 2024, é um retrato de Dona Ivone Lara, com referências ao pavilhão da escola de samba Império Serrano. Feita com tinta acrílica sobre tela, tem 30 centímetros de altura por 30 de largura. Aqui, neste painel, temos uma reprodução com a dimensão de 20 centímetros de altura por 20 de largura, já que a obra original precisou ser retirada neste período de prorrogação da exposição. O quadro apresenta o retrato de Dona Ivone Lara como uma jovem mulher negra de pele escura, rosto arredondado e sorriso gracioso, em uma moldura oval rosa, centralizada sobre um padrão quadriculado ao fundo, delimitado por linhas vermelhas. Os cabelos da mulher são ondulados curtos e pretos. Ela usa um vestido branco com um ombro à mostra e um delicado brinco dourado aparece na orelha esquerda por entre os cabelos. Flutuando bem próximo à cabeça e ultrapassando o limite da moldura oval, há uma coroa dourada. Áreas verdes e áreas brancas intercaladas irradiam do centro para as extremidades, destacando o rosto da mulher ao centro. As cores verde e branco, assim como a coroa imperial, são símbolos da escola de samba Império Serrano, na qual a cantora e compositora teve destaque. Sobre Dona Ivone Lara, a artista Bea Machado declarou em um post de sua rede social: Yvonne Lara - Dona Ivone Lara, Rainha do Samba, Grande Dama do Samba. Primeira mulher a assinar um samba-enredo e conquistar um lugar na ala de compositores da Império Serrano, sua escola. Yvonne Lara abriu portas para que muitas mulheres ocupassem lugar no samba. Além de cantora e compositora, a Rainha do Samba ainda atuava como enfermeira e teve importante papel na reforma psiquiátrica do Brasil ao lado de Nise da Silveira. Uma joia rara! A segunda obra é uma pintura chamada Sorriso Aberto, de Wallace Pato, produzida com tinta óleo sobre tela, em 2011. A dimensão da obra original é 70 centímetros de altura por 75 de largura e, como a anterior, temos aqui neste painel uma reprodução com a dimensão de 45 centímetros de altura por 50 de largura que permanecerá neste período de prorrogação da exposição. Wallace Pato, nascido em 1994 em Ramos, Rio de Janeiro, é um artista autodidata. Suas obras conectam o Nordeste ao ambiente urbano carioca, retratando cenas do cotidiano como festas, Carnaval e brincadeiras, em um estilo que celebra a cultura popular brasileira. ​​A obra Sorriso Aberto retrata duas mulheres negras de pele escura, uma bem próxima à outra, num gesto que pode denotar amizade, afeto e companheirismo. Elas estão de frente para o espectador, como se houvessem parado para posar para o retrato. Apesar das personagens não possuírem detalhes faciais definidos, trata-se das cantoras e compositoras Jovelina Pérola Negra, à esquerda, e Leci Brandão, à direita. Jovelina Pérola Negra é intérprete da canção Sorriso Aberto, que ficou famosa na sua voz e também dá nome à obra. Jovelina, retratada à esquerda, veste uma roupa de manga comprida inteira branca e um turbante na cabeça, também branco. Argolas douradas se sobressaem de suas orelhas. Leci Bradão, à direita, veste uma camisa de estampa geométrica e colorida em tons de laranja, azul, amarelo e marrom. Seus cabelos são curtos e pretos, e sua mão esquerda toca suavemente o braço da outra pessoa. O fundo da pintura é liso, em um tom de verde escuro, o que dá destaque às duas mulheres e suas roupas. Wallace declarou, em 2022, durante sua mostra individual “À bença meus padrinhos”: Eu pinto sobre o subúrbio, sobre o Brasil. Tenho vários objetivos, mas acho que o maior deles é ser porta-voz de quem nunca foi ouvido. Gente que é gigante tem muita força, carrega uma história enorme, muito nas costas e nunca tiveram a chance de falar, ou quando o fizeram, foram ofuscados.

De Palmares às escolas de samba, tamo aí! - "Joia rara" e "Sorriso aberto"
De Palmares às escolas de samba, tamo aí! - "Joia rara" e "Sorriso aberto"

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