
Para que não se acabe: catar memórias
Belém
Centro Cultural Bienal das Amazônias
Idioma do conteúdo
Orientações Mapa Tátil
Introdução e Curatorial
Seja muito bem-vinda, seja muito bem vindo à mostra Para que não se acabe: catar memórias, da fotógrafa Paula Sampaio, com imagens que apresentam os principais sítios históricos de Belém. A fotógrafa nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1965, e ainda menina veio com sua família para a Amazônia. Em 1982, escolheu Belém para viver e trabalhar, tendo hoje um extenso portfólio de registros que contam histórias, criam memórias, reconstroem patrimônios e imaginários da capital. A instalação, no primeiro piso do Centro Cultural Bienal das Amazônias provoca um diálogo com o entorno da área comercial onde o prédio está localizado, no bairro do Comércio, contando com imagens de dois projetos: “Folhas Impressas”, realizado pela artista de 2006 a 2014, nos bairros históricos de Belém - Campina, Comércio e Cidade Velha; e o ensaio “Delegacia de Casos Perdidos”, que iniciou em 2016 e que ainda está em curso, nos mesmos bairros e pautado na destruição, no desaparecimento do patrimônio material presente. A curadora Vânia Leal conta que durante a prospecção no acervo de imagens de Paula Sampaio, observou que pode-se dizer que a fotógrafa é uma catadora de imagens, fazendo uma analogia aos filmes da cineasta Agnes Varda, onde se vê a vida de catadores de restos de alimentos e dos mais variados objetos. Varda surge no filme como sujeito e objeto da obra, aparecendo ela própria como catadora de imagens. Paula Sampaio também é sujeito e objeto da fotografia como insistência para além da aparência de qualquer registro. Faz um inventário de coleções que criam outras dimensões e, diante dos patrimônios que perdemos todos os dias, diz: “fazer um registro é uma prova material dessa experiência”. Na instalação, é possível ver registros que transpõem para a fotografia nuances da cidade como vidas, lacunas, histórias, memórias… E a denúncia pela perda do patrimônio, no ensaio “Delegacia de Casos Perdidos”, reforça a imaginação criadora, onírica e subjetiva da fotógrafa. Ela inventa uma resolução para a perda do patrimônio material, afinal, fotografar é inventar um mundo possível. Sua obra, de caráter político e social, possibilita um alargamento de consciência que nos conduz a uma experiência de dicotomias, incertezas, confrontos e lirismo. Sem dúvida, os registros aqui ativam histórias vividas ou ouvidas e até mesmo memórias de gerações. Podemos dizer que a fotografia de Paula amplia limites de representação. Um verdadeiro caminhar pela história da nossa cidade. Desfrute a experiência!
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Folhas Impressas
A fotógrafa Paula Sampaio atuou como fotojornalista por muitos anos. Seu olhar atento registrou diversas transformações ocorridas na região Amazônica, seja no dia a dia como repórter fotográfica ou em seus ensaios documentais. Seus projetos falam de comunidades e vivências da população, tratando questões a partir da experiência dos protagonistas das histórias, com seus relatos e memórias, e estando disponível às imagens que se impõem. Ocupação, colonização da região, memórias orais e patrimônio imaterial são alguns dos temas recorrentes em seu trabalho. Suas séries são reflexões sobre a natureza e a fragilidade dos seres. Aqui em Para que não se acabe: catar memórias, em painéis do lado esquerdo de quem entra, está exposto um conjunto de imagens do projeto Folhas Impressas que a fotógrafa vêm desenvolvendo desde 2006 no centro histórico de Belém. O principal objetivo do projeto é provocar uma reflexão sobre questões como patrimônio, identidade e esquecimento, por meio de imagens e memórias orais, editadas em jornais tabloides com circulação gratuita nos bairros da Campina, Comércio e Cidade Velha. Para a Folha do Ver-o-Peso, Lina Sanches, vendedora de comida no Mercado do Ver-o-Peso, declarou em 2006: Metade da minha vida passei aqui. Comprei a minha casa, criei minha filha e, o principal, construí minhas amizades. Todo mundo me conhece, do Comércio ao Tribunal de Justiça. Aqui só cai no abismo quem quer. As imagens mostram trabalhadores, transeuntes, a vida nos bairros e particularidades no interior de residências. Na Feira do Açaí, Bairro do Comércio, em 2014, Paula Sampaio registrou em preto e branco uma imagem que parece confundir o homem com a cidade. Com 1 metro e 80 centímetros de altura por 1 metro e 20 centímetros de largura, a obra mostra do lado direito, o tronco de um homem da cintura para cima, de costas para o observador, e não é possível ver a cabeça dele. O enquadramento, de baixo para cima, coloca o homem em primeiro plano, ocupando grande parte da imagem e estourando na margem direita da foto, excluindo o braço direito da imagem. Os ombros dele criam uma linha diagonal descendente, da direita para a esquerda, e o braço esquerdo com veias e músculos aparentes, pende levemente afastado do corpo. Nas costas fortes, gotas e traços do suor que escorre brilham sobre a pele preta. Em segundo plano, parte de uma construção de linhas retas, com a pintura da parede acinzentada desgastada, alguns adornos geométricos e uma folhagem que cresce da alvenaria na parte de cima ergue quase como um monumento atrás da figura central. Deste conjunto de fotos, destacamos ainda uma imagem feita no Mercado do Ver-o-Peso, Bairro do Comércio, em 2006. Com 1 metro e 80 centímetros de altura por 1 metro e 20 centímetros de largura, a obra em preto e branco traz ao centro um trabalhador, captado da cintura para cima no momento em que carrega uma carga animal. O homem está com o tronco nu e os braços erguidos para o alto, próximo a um cercado de madeira, de onde retira duas aves de penas que se mesclam entre o branco, o preto e tons de cinza. A ave, que está em primeiro plano do lado esquerdo da imagem, tem as asas abertas e o pescoço inclinado para baixo, cobrindo o rosto do homem e alcançando a altura do peito dele com o bico alongado. Do lado direito e um pouco mais para atrás, está a outra ave sobre o outro braço do homem, também com a cabeça e o bico alongado inclinados para baixo. Ao fundo a arquitetura do Mercado e o céu claro com poucas nuvens. Esta composição resultou em uma imagem onde homem e bichos se misturam, onde a cabeça de um parece ser o rosto do outro, gerando uma memória de fábula, mas que é real. Sobre isso, em 2006, Edinaldo Moreira, feirante do Mercado do Ver-o-Peso, comentou: Os bichos são é muito inteligentes! Tem gente que tem cara de bicho e bicho que tem cara de gente. É tudo uma natureza só.
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Instalação Jornal
Ainda do lado esquerdo de quem entra na mostra, o visitante encontra uma instalação que se refere ao projeto Folhas Impressas, de Paula Sampaio. É uma área de convivência onde estão expostos sobre cavaletes os jornais Folha do Ver-o-Peso, Folha da Campina e Folha da Cidade. A Folha do Ver-o-Peso foi editada a partir de entrevistas com trabalhadores e frequentadores do complexo do Ver-o-Peso, que revelam parte das transformações no cotidiano do lugar, as relações de trabalho, as disputas pela tradição e pela manutenção do espaço e sua memória. Os impressos foram distribuídos durante o 25º Salão Arte Pará, como parte do processo de intervenções urbanas realizadas naquele espaço. A Folha da Campina foi realizada a partir de entrevistas com moradores e frequentadores do bairro, e artigos assinados por convidados. Esses relatos possibilitam pensar sobre esse território urbano devastado pelo descaso público e a violência cotidiana. O impresso fez parte de um projeto mais amplo denominado No Porão. A ação foi conjugada à exposição homônima, montada no Porão 619, no bairro da Campina, criando nesse ambiente um espaço de memória e reconstrução poética de uma parte do patrimônio de saudades do centro histórico da cidade de Belém, ao reunir imagens e objetos de acervos de famílias do bairro e os retratos de personagens realizados ao longo de nove meses, no próprio Porão. E a Folha da Cidade foi realizada por meio de fotografias e entrevistas com moradores do principal sítio histórico da cidade de Belém: o bairro da Cidade Velha. As mesas e bancos disponíveis na área de convivência são um convite para que o visitante sente-se e leia os jornais, aprecie os artigos e depoimentos. Aproveite!
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Destruição
Refletindo sobre as questões de patrimônio e identidade, nos painéis que ficam do lado direito de quem entra, estão expostas imagens que denunciam o esquecimento e a destruição que afetam os principais sítios históricos de Belém. Há também fotografias que fazem parte do projeto Delegacia de Casos Perdidos da artista. Delegacia de Casos Perdidos é um ensaio, um exercício de reflexão sobre as perdas cotidianas da população. Paula Sampaio realizou o ensaio fotográfico em um casarão centenário após o incêndio que o destruiu e a ideia foi inspirada nas rondas policiais que ela fazia quando trabalhava como repórter fotográfica. A fotógrafa criou uma delegacia imaginária, onde registra por meio de Boletins de ocorrência [B.O], como se faz nas delegacias reais, todas as ocorrências que chama de casos perdidos, ou seja, tudo aquilo que não tem mais jeito, mas que em função de sua importância, não pode simplesmente cair no esquecimento. Uma fotografia de 2013, com 1 metro e 20 centímetros de altura por 80 centímetros de largura, captada no Boulevard Castilhos França, Bairro do Comércio, mostra o momento da destruição. Uma imagem aproximada mostra parte do andar térreo e o andar superior de um casarão típico da chamada Belle Époque, com suas paredes cor de rosa adornadas com enfeites em branco, colunas nas laterais da porta principal e janelas arredondadas na parte de cima. Das três portas-balcão do segundo andar escapam grandes labaredas de fogo que consomem o interior da casa. Do lado esquerdo, a fumaça preta somada ao fogo sobe em direção ao céu azul. Na parte superior da fotografia, alguns galhos de uma árvore com folhas verdes parecem testemunhar o desastre acontecendo. Sobre a cidade, em 2014, o comerciante Ruben Estevan Lobato (o Rubão) disse: Nasci aqui na Cidade Velha, naquele tempo em que os partos eram feitos em casa. Nunca saí daqui. A infância foi maravilhosa porque tinha liberdade. As casas cheias de arvoredos. Bagé, Zeppelin, os leiteiros, as vacarias...Uma vida provinciana. Aqui tinha famílias tradicionais, como o pessoal do Palacete Pinho, que promoviam saraus...Uma coisa linda.(...) Uma imagem de grande dimensão, com 1 metro e 45 centímetros de altura por 2 metros e 20 centímetros de largura, destacamos na mostra uma fotografia de 2016, em preto e branco, que retrata uma ruína do que provavelmente foi um palacete. Em primeiro plano, do lado esquerdo, a base quadrada de uma coluna tombada paira no ar. A haste, a coluna que caiu, está partida ao meio, com a parte superior no chão e a outra parte, da rachadura para a base, erguendo-se como uma lança para cima. O solo parece terra revolvida misturada a fragmentos da construção. Em segundo plano, do lado direito, uma parede ainda em pé, exibe três janelas arredondadas na parte superior, através das quais vemos uma terceira camada com outra fachada do que parece ser uma residência com janelas circulares e grades de metal. À direita e bem ao fundo, mais uma fachada de uma edificação antiga, talvez da mesma época desta que foi ao chão. O jornalista Filipe Alves Sanches, que nasceu na Cidade Velha, onde todos de sua família sempre moraram, escreveu em 2014: É como se cada esquina do bairro guardasse uma história. Não a história da cidade, que aqui nasceu, mas das famílias que por aqui viveram, das crianças que cresceram nestas ruas e as levam na memória.
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Delegacia de Casos Perdidos
Junto aos painéis de fotografias, o visitante encontra o espaço da Delegacia de Casos Perdidos onde poderá registrar o seu Boletim de Ocorrência. Há uma mesa com cadeiras onde o espectador pode se acomodar e ficar à vontade para relatar o seu caso sem jeito, que por ser importante, não pode cair no esquecimento. Paula Sampaio já fez o próprio B.O. em fevereiro 2016, de natureza sentimental, declarando o local na Rua Santo Antônio, esquina com Travessa Leão XIII, Comércio, Belém, Pará. O documento diz: A Reclamante se identificou como fotógrafa e moradora de uma casa antiga, situada no centro histórico da cidade de Belém, perto do local da ocorrência e que, por esse motivo, atravessa a área do “sinistro” praticamente todos os dias: os escombros dos casarões centenários que pegaram fogo em 2015. Diz não esquecer os estalos das vigas de madeira em brasas, as ferragens sendo levadas por qualquer um, o movimento dos curiosos “brechando” os destroços. Que as paredes feitas para atravessar séculos, destituídas de sua pele depois do incêndio, murmuraram um sofrimento lento, ouvido por meses a fio. Até que um dia, a Reclamante conta, a mesma estava “passando uma chuva” em frente aos casarões e, pela primeira vez, respirou um vazio a partir dos arcos das antigas janelas, das pedras dos baldrames. As casas silenciaram. E por fim relata que, nesse momento, sentiu “uma facada no peito” e por não ter mais ação diante dos patrimônios que perdemos todos os dias, resolveu pelo menos fazer um registro. Em anexo, como prova material dessa experiência, deixa algumas fotografias que fez, somente. Durante a mostra, um visitante registrou o seu Boletim, com a natureza de ocorrência Fome. Ele relata no histórico: Fome e sede de lama. O que me dispara. A lama que escorre pro fundo se acumula. Argila que molda as dores e desejos. Fome de serpente. Fome de pecado. Fome de tecido. Fome de amar. E você? Tem um caso perdido na sua vida? Qualquer que seja a natureza (sentimental, material, espiritual...), regista aqui.
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Porão
No Porão foi uma exposição criada especialmente para o projeto Folhas Impressas, de Paula Sampaio, formado por um conjunto de ações produzidas pela artista desde 2006 no Centro Histórico de Belém. Uma das ações dessa proposta foi uma exposição montada no Porão 619 da Travessa Frutuoso Guimarães, casa da artista, reunindo acervos pessoais e retratos de famílias do bairro, que compartilharam suas saudades e afetos com o público. Aqui, nesta mostra, o Porão foi recriado em uma instalação, onde apresentamos um índice desse espaço e suas pulsações. No espaço entre paredes de tom terroso com cortinas marrom escuro no lugar de portas, estão os objetos como uma mesinha lateral redonda, de madeira escura, com uma única perna alta no centro, uma cadeira de balanço de madeira quase preta, com encosto e assento em palhinha e muitos quadros e porta-retratos com fotografias. Em um par de porta retratos iguais estão o retrato de um homem e de uma mulher, com as cores já um tanto apagadas pelo tempo. O homem usa um paletó azulado, com camisa branca e gravata cinza. Ele tem a pele branca, os olhos castanhos e os cabelos escuros bem penteados para trás. O nariz é fino, a boca pequena e a testa alta. A mulher está com um vestido bege claro com renda no decote. Ela é branca, tem cabelos castanhos que parecem curtos ou estarem presos embaixo de um pequeno chapéu que adorna sua cabeça. Os olhos também são escuros, o nariz é fino e a boca ligeiramente avermelhada. A moldura que enquadra as fotos é de madeira marrom escuro com pontas de metal trabalhado em alto relevo. Outra fotografia mostra um bebê sorridente com aproximadamente um ano de idade. A menina está sentada, usando um vestidinho branco sem mangas, e é vista ligeiramente de lado. Ela tem um chapeuzinho na cabeça sobre os cabelos curtos e pretos. Os olhos escuros são redondinhos e ela sorri abrindo a boca na imagem de cores suaves, talvez apagadas pelo tempo. Ana Costa, moradora da Campina, em 2014 relatou: Eu gosto daqui. Essa casa é a minha grande recordação, tudo que vivi aqui foi bom. Lembro do Cinema Olympia, das matinés do sábado, dos passeios pela Praça da República… Ah! E o Grande Hotel?! Lindo, com suas cadeiras de ferro no terraço. Tudo tão elegante, tão bonito.
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